Crianças conseguem distinguir o que é publicidade em vídeos no YouTube?

Maria Clara Sidou Monteiro é doutora em Comunicação e Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS). É pesquisadora do grupo Ética na Sociedade do Consumo (UFF), do Laboratório de Estudos da Relação Infância, Juventude e Mídia (UFC) e do Laboratório de Interação Mediada por Computador (UFRGS).

Em entrevista ao Laboratório de Popularização da Ciência (Popcicom), a publicitária e doutora em Comunicação Maria Clara Sidou Monteiro, autora do livro Crianças e Consumo Digital: A Publicidade de Experiência na Era dos Youtubers, afirma que é preciso ter mais transparência na sinalização de anúncios publicitários em vídeos disponíveis no YouTube. A pesquisa foi realizada a partir do ponto de vista e da percepção de crianças em relação ao conteúdo online produzido por influenciadores digitais.

Segundo Monteiro, dentre as pesquisas da área da Comunicação, são poucas aquelas que entendem as crianças como protagonistas, ou seja, como informantes sobre o que consomem midiaticamente. Assim, surgiu o interesse em estudar como os mais jovens entendem a publicidade feita pelos YouTubers. A pesquisadora frequentou três eventos especializados na cidade de Porto Alegre (RS), falou com crianças de escolas públicas e percebeu o quanto as crianças eram fãs, tinham os livros dos YouTubers, desejavam os produtos mostrados por eles e consumiam diferentes conteúdos na plataforma. Tendo em vista a popularização de canais que alcançam a marca de milhões de inscritos, muitos deles direcionados ao público infantil, fica a pergunta: crianças conseguem filtrar e distinguir o que é publicidade nos vídeos que consomem?

Em 2019, 89% da população entre 9 e 17 anos era usuária de Internet no Brasil, proporção que equivale a cerca de 24 milhões de crianças e adolescentes na faixa etária investigada, de acordo com a pesquisa TIC Kids Online.

Confira abaixo a entrevista com a autora.

1. O livro Crianças e Consumo Digital: A Publicidade de Experiência na Era dos Youtubers, lançado em 2020, é uma versão adaptada da sua tese de doutorado, defendida dois anos antes no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRGS. Quais as mudanças entre as duas publicações?

Maria Clara Sidou Monteiro: O livro traz outras reflexões que não foram abordadas na tese, como “Quero ser YouTuber” e “Coisas de meninas e meninos”, resultantes da pesquisa empírica. Também atualizei a discussão legal sobre a publicidade, as políticas de anúncios no YouTube, o CONANDA e a classificação indicativa, que gerou polêmica em 2020.

2. A pesquisa é desenvolvida a partir das percepções das crianças em relação à identificação e à persuasão do discurso publicitário. Quais os principais achados sobre essa dinâmica?

Maria Clara Sidou Monteiro: As crianças mostraram que sabiam identificar a publicidade que chamo de “tradicional”: comerciais antes dos vídeos e banners no YouTube. Elas não gostavam, achavam intrusivos e evitavam a todo custo. Já em relação aos conteúdos feitos pelos YouTubers, ou seja, vídeos nos quais eles mostram produtos, as crianças não os identificaram como publicidade. Aí está o grande desafio: o que é publicidade dentro dos conteúdos? Os YouTubers não precisam declarar ao público que estão sendo pagos, de alguma maneira, pelos anunciantes. Isso dificulta a percepção da persuasão.

3. Muito se fala sobre a exposição de anúncios em redes sociais digitais. Como o tema pode ser pensado e problematizado quando se trata do público infantil? Afinal, a combinação YouTube e crianças é positiva?

Maria Clara Sidou Monteiro: A relação YouTube e infância pode ser positiva se existir mais clareza no que é apropriado para criança. A plataforma permite diversos tipos de conteúdos publicados, o que proporciona um aprendizado informal. Porém, é necessário entender quais vídeos a criança consome, o que ela acha do conteúdo, enfim, dialogar com ela. Não podemos esquecer que o YouTube é uma plataforma comercial, portanto com interesses mercadológicos. É nosso dever exigir que os vídeos sejam descritos de acordo com faixa etária, conteúdo sensível e se neles constam anúncios comerciais.

4. Tendo em vista a experiência de produção do livro e da tese, o que mais surpreendeu em relação ao tema pesquisado?

Maria Clara Sidou Monteiro: Várias coisas me surpreenderam ao longo da pesquisa e da escrita da tese e depois do livro. Essa é a melhor parte da pesquisa: ser surpreendido. A reconfiguração da publicidade em um formato muito mais persuasivo e nebuloso foi algo que me fez pensar na necessidade de discutir isso dentro e fora da academia, pois o mercado já está na frente. Eu entendi, ouvindo as crianças, que a publicidade de experiência está intrínseca no trabalho dos YouTubers, mas ainda precisamos, enquanto pesquisadores, levar essa questão para a sociedade.

Outra coisa surpreendente foi ver como ainda existe divisão de interesses por gênero e que meninos não podem gostar das mesmas coisas que meninas, nem mesmo um vídeo no YouTube. Foi algo que me preocupou e me fez pensar em como avançar essa discussão com as crianças.

Por último, o desejo de se tornarem YouTubers está presente em todas as crianças entrevistadas. Ser YouTuber é sinônimo de sucesso para elas. Porém as crianças não conhecem o funcionamento dos algoritmos e todas as exigências da plataforma para alcançar milhões de seguidores.

Lançada em 2020, a obra Crianças e Consumo Digital: A Publicidade de Experiência na Era dos Youtubers foi publicada em formato impresso e digital pela editora Appris (2020).

SOBRE A AUTORA

Maria Clara Sidou Monteiro é publicitária, especialista em Teorias da Comunicação e Imagem, mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará e doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS). É pesquisadora dos grupos de pesquisa, certificados pelo CNPq: ESC — Ética na Sociedade do Consumo (Universidade Federal Fluminense / UFF), LabGrim — Laboratório de Estudos da Relação Infância, Juventude e Mídia (UFC) e LIMC — Laboratório de Interação Mediada por Computador (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Realizou estágio docente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul para o curso de Publicidade. Pesquisa sobre publicidade, infância e mídias sociais. Tem experiência profissional nas áreas de criação, redação publicitária e social media.

--

--